8 de novembro de 2007

Poderes...


Ontem pus-me a pensar no meu prédio e na relação entre os condóminos, que é bastante impessoal, e pus-me a imaginar como seria se cada condomínio fosse uma pequena aldeia, em que as pessoas tivessem relações afectivas e familiares e vivessem ligadas umas às outras... seria muito giro.

A propósito disso, percebi uma coisa que já achava há muito tempo mas que não sabia definir. Quem me conhece sabe que eu sou meio anárquico e que não quero cá ninguém a mandar em mim, seja presidente, rei, primeiro-não-sei-quê, ou lá o que fôr :) mas fora isso, acho que tanto a república como a monarquia têm vantagens e desvantagens. E sempre houve qualquer coisa na monarquia que me fascinou, e não só a mim, como a toda a gente. Os americanos, por exemplo, ficam fascinados com o rei de Espanha, e outras famílias reais. Donde é que nos vem esse fascínio pela monarquia? É por causa dos castelos, dos terrenos e do luxo em que eles vivem?

Acho que há duas coisas (e possivelmente mais, mas eu só identifiquei estas duas) que estão na base desse fascínio:

primeiro, há em todas as relações humanas uma busca de poder pela liberdade da nossa vontade, fazer basicamente o que nos apetece sem ter que dar satisfações a ninguém, seja como pessoas individuais, seja como famílias ou pequenos grupos. Essa busca tem que ser regulada, uma vez que é difícil que todos possam fazer tudo o que lhes apetece. Em todo o reino animal e também no reino humano, até aparecer a república, esse poder era regulado através de hierarquias baseadas em vários critérios, desde a força até à inteligência, mas com o ponto comum de que os membros que estão acima na hierarquia têm a possibilidade de não ter que dar satisfações aos outros sobre o que lhes apetece fazer, e de poder ter pequenos grupos familiares independentes. Assim, na monarquia, uns exercem essa liberdade, outros têm essa liberdade em diferentes medidas, outros sonham com essa liberdade, mas esse desejo é aceite, reconhecido e aprovado.

Esse tipo de liberdade da vontade é uma coisa que fascina as pessoas, e que desapareceu na república, uma vez que ninguém numa república está isento de dar satisfações aos outros, e há até uma mensagem subjacente de que é errado preferir a nossa vontade, ou a vontade dos que nos são próximos, à vontade de toda a comunidade, de toda a nação. Assim, há na república uma espécie de negação da natureza egocêntrica das relações de poder, natureza essa que não deixa de ser egocêntrica apesar dessa negação. A monarquia tem a vantagem de, ao reconhecer essa natureza humana, e ao dar-lhe uma ordem (seja o método escolhido para essa ordem perfeito ou não), permitir às pessoas reconhecerem e aceitarem a sua identidade como "buscadores de liberdade da vontade", e encontrar uma harmonia nessa busca colectiva, dentro da não-negação.

Mas na república, existe um pseudo-moralismo que diz às pessoas "a comunidade está acima dos interesses individuais", e as pessoas deixam de reconhecer e aceitar a sua natureza, a sua busca pela liberdade da vontade, que passa a ser reprovada colectivamente e inconscientemente. Daí que fiquem fascinadas por uma certa "integridade do Ego" que as pessoas na monarquia manifestam ao aceitarem a sua natureza de maneira tão aberta e descarada, e não só isso, mas também com estilo e civilização.

O segundo elemento que acho que está na base do fascínio pela monarquia parece-me ser mais importante que o primeiro e é o mesmo que falta nos condomínios dos prédios :) é o tipo de relações que há entre as pessoas, a existência de raízes sanguíneas, morais, culturais, geográficas e afectivas comuns. Numa monarquia, é possível toda a gente (incluíndo os que têm poder político) estabelecer uma relação familiar, moral, cultural e geográfica que se torna também afectiva, ou seja, as pessoas podem dizer: aquele e aquele são da minha terra, primos deste e daquele, têm os mesmos valores que eu, vivem da mesma maneira que eu, etc. E isto acontece numa formação em árvore que vai até ao rei, fazendo com que a nação seja como uma espécie de família grande.

As pessoas identificam-se não só com as opções políticas do(s) chefe(s) político(s) (o rei e os diferentes chefes locais) mas também com os seus gostos, hábitos, personalidade, etc., e o rei (assim como os chefes locais) torna-se não só um símbolo político, mas também um símbolo cultural e humano que as pessoas respeitam em cada uma dessas dimensões. Acho que a palavra é a unidade. Uma monarquia tem a capacidade de reunir toda a nação numa grande unidade não só em termos hierárquicos, mas também em termos culturais, morais, etc.

Mas na república, as relações familiares e afectivas, a cultura, as raízes e a proveniência geográfica não são incluídas nas relações políticas, o que leva a uma grande impessoalização da vida colectiva. A nação passa a ser como um grande condomínio, em que as relações de poder só existem para a gestão dos recursos comuns, resultando daí que a população não se sinta identificada com os organismos políticos em termos culturais, morais, afectivos, familiares, etc. Não estou a dizer que isso seja mau, porque também tem vantagens, acho eu. Mas parece-me que a unidade é uma grande vantagem da monarquia que a república não parece conseguir atingir da mesma maneira. Basta dizer que em países com diversidade étnica, como a Espanha, se não fosse a existência de uma monarquia, o país dividir-se-ía em várias nações, o que prova a capacidade unitária da monarquia.

Mas que não haja confusões: não sou monárquico nem repúblicano, sou ANÁRQUICO!! =)

3 comentários:

n disse...

Na maior parte do texto estás a falar da dicotomia comunismo-liberalismo em vez de república-monarquia.
Só no fim é que falas da monarquia por oposição à república, com um argumento que claramente favorece a monarquia e com o qual eu concordo, o da unidade: da nação, como uma grande família, e da vida política com a realidade do dia-a-dia e cultura e afectos de um povo.

- disse...

Acho que tens razão. Também outra amiga me disse o mesmo hoje.

Mas também é engraçado, não tinha pensado nisso antes, mas se calhar há alguma relação entre as duas dicotomias (comunismo/liberalismo e república/monarquia).

Não sei, foi um texto que escrevi à primeira e ainda tá um bocado confuso na minha cabeça. Mas concordo contigo (é pra não me chamares teimoso).

eyeshut disse...

"árvore que vai até ao rei, fazendo com que a nação seja como uma espécie de família grande."

:)*