8 de agosto de 2008

O "erro fundamental" do cristianismo

Por muitas vezes tenho percebido que é perigoso esquecermo-nos que somos animais. Realmente somos animais, e isso ainda se reflecte em muitos aspectos em nós. Reflecte-se por exemplo nas nossas relações afectivas: existem dentro de nós desejos, medos, lutas de poder, etc., que influenciam as nossas relações e a nossa vida. Apesar de ser positivo querermos ir para além dessa animalidade, se queremos realmente ir para além dela, temos que ser capazes de reconhecer essa animalidade e as maneiras como nos influencia. Só assim podemos ter uma verdadeira autenticidade nos caminhos que quisermos seguir.

Sem querer tocar sempre na mesma tecla (lol), um dos grandes caminhos em que é mais frequente as pessoas esquecerem-se dos reais princípios afectivos que regem a sua vida e as suas relações, é no caminho espiritual cristão. Quando isso acontece, perde-se a autenticidade, e consequentemente anda-se para trás no próprio caminho que se queria percorrer. Isto acontece porque a pessoa não é capaz de ver a diferença entre o ponto em que queria estar (amar o próximo) e o ponto em que está realmente. Ao não ser capaz de ver essa diferença, apresenta-se aos outros com uma intenção de ser alguém que não é. No fundo, sem querer, está a usar o outro para atingir um objectivo pessoal, e não a amá-lo realmente. O outro, por sua vez, sente essa falta de autenticidade, e afasta-se.

Eu chamo a isto o "erro fundamental do cristianismo": as pessoas comaçam a tentar amar os outros com um objectivo secundário - aproximar-se de Deus - e ao fazê-lo com um objectivo secundário comprometem a relação de amor, pois uma relação de amor só pode existir quando não acontece por razões secundárias, mas pela relação em si.

Este erro fundamental não vem de Jesus, pois Jesus fartou-se de nos alertar para a necessidade de reconhecermos o que nos falta para estar no amor, e para a necessidade de sermos autênticos no caminho que fazemos (reconhecer o nosso pecado). Vem, sim, duma vivência errada da fé. Por causa dessa vivência errada, existem milhões de exemplos de voluntariados cristãos - pessoas a fazer "o bem" - que são um triste atentado ao cristianismo verdadeiro. Exemplos mais graves, como os padres que batem nas crianças e nos doentes, ou as freiras que educam com austeridade, ou voluntários que pedem dinheiro para os famintos e que nas costas julgam e troçam dos que não dão, ou padres que na homilia pregam o amor e a humildade e quando saem da igreja ignoram o pedinte à porta... exemplos menos graves, como o sorriso superficial a esconder a real falta de interesse por alguém que está a desabafar connosco... onde está o amor em todas estas atitudes? E se não existe amor nisso, porque o fazemos, se o objectivo é amar?

Fazemo-lo por causa do "erro fundamental do cristianismo". Fazemo-lo por falta de autenticidade. A autenticidade é um dos maiores desafios no caminho espiritual cristão. Ter consciência das leis que regulam a nossa afectividade, conhecermo-nos a nós próprios, não fingir que se ama quando não se ama, é essencial para que possamos caminhar realmente para Deus. E para esse auto-conhecimento é muito importante a Psicologia. A religião precisa muito de dar atenção à Psicologia, e, por outro lado, a Psicologia não está completa sem a religião, pois a felicidade completa vem de Deus.

No fundo, o "erro fundamental do cristianismo" é o que Jesus denuncia nesta parábola, e que pelos vistos já existia antes do cristianismo:

“Subiram dois homens ao templo para orar. Um era fariseu; o outro publicano. O fariseu, em pé, orava no seu interior desta forma: ´Graças te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros.´ O publicano, porém, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: ´Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!´ Digo-vos: este voltou para casa justificado, e não o outro. Pois todo o que se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado.”

Quando formos capazes de ser como o publicano, aí começará a nossa viagem em direcção ao amor de Deus.