18 de junho de 2008

Amor não é fantasia

Porque é que, quando conhecemos alguém e pomos a hipótese dessa pessoa ser a pessoa certa para nós (em termos amorosos), não incluímos nessa avaliação o prazer e a satisfação que a relação nos está a dar, e também o timing em que essa pessoa apareceu na nossa vida?

Eu explico: às vezes queremos por força que alguém seja a pessoa certa para nós, mas na realidade e na prática, quando estamos com essa pessoa, não estamos felizes com ela nem ela connosco. Mas apesar disso, pensamos que pode ser porque falta esta condição ou aquela: porque não nos conseguimos exprimir ou agir como somos, ou porque não nos temos entendido, ou porque um ou outro estão a passar por uma fase qualquer, e achamos que depois é que vai ser, etc., etc.

Mas a questão é esta: se eu estou bem comigo mesmo e essa pessoa também, se temos a nossa identidade bem definida, e se exteriorizamos bem aquilo que somos interiormente, então o melhor indicador de se essa relação faz sentido, é pura e simplesmente o prazer e a realização que temos com essa pessoa. Se dá muita frustração ou se não é óptimo estar com ela, então... é porque não estamos bem um para o outro... ponto final.

E em relação ao timing? Bem, por exemplo, uma pessoa que seja perfeita para nós, mas que tenha vivido no séc. XV, não faz muito sentido, pois não? Da mesma maneira, uma pessoa que pareça perfeita para nós e esteja viva, mas que não esteja nesse momento sintonizada connosco, embora talvez pudéssemos ser muito felizes noutra altura... também não faz muito sentido.

Não há volta a dar: uma relação que faça sentido dá MUITO prazer e satisfação, e AGORA, não noutra altura qualquer. Se perdemos mais do que algum tempo a tentar que resulte, meus amigos... está na hora de andar para a frente, porque a pessoa realmente certa está algures lá fora.

Acho que isto tem muito a ver com o facto de que nos guiamos mais por fantasias internas do que pela própria experiência. São as expectativas em acção: queremos fazer um filme bonito com as coisas e as pessoas que pensamos que têm que fazer parte desse filme, em vez de viver as coisas que realmente acontecem. Mas o mais irónico é que a haver um filme bonito, só acontecerá com as coisas que são reais.

8 de junho de 2008

Sou como um velho combatente, mas nunca combati. Não travei batalhas, mas vejo-as passar algures em mim. Trago marcas de guerras que não vivi.

Procuro paz, comida e algum prazer passageiro: um sorriso, uma brisa, um cheiro perfumado. Vivo o dia a fugir do passado. Sento-me na berma da estrada, com a perna amputada, que por acaso trago arrastada. Meninas pequeninas fitam-me rindo. Pisco-lhes o olho e seguem caminho, de mãos agarradas a mães preocupadas.

Vivo de esmolas. Dois sorrisos pagam a jornada. Copos baços de licores coloridos, tascos abafados de fumo e de gente. Dão para a semana toda. Gosto de ver os dias passar, sentar-me à tarde à beira do mar na companhia de rafeiros esfomeados.

Há qualquer coisa de bom em não contar com nada.
Fica-se todo naquilo que se tem, e o que se tem fica mais real.

2 de junho de 2008

1 de junho de 2008

Boa realidade

Robert Kegan é um autor que explicou o desenvolvimento humano como dando-se através de dois mecanismos principais, que se mantêm os mesmos ao longo de toda a vida: a diferenciação e a integração. Assim, à medida que a pessoa vai evoluíndo, vai tomando consciência de que a sua identidade não é uma determinada coisa, e esse tomar de consciência é a diferenciação; posteriormente integra essa coisa que antes achava que era seu, e relaciona-se com ela como sendo um objecto externo a si. Por exemplo, a primeira coisa da qual o recém-nascido se diferencia é o mundo: o bébé, primeiro, pensa que é o mundo, e que o mundo é o seu "eu"; depois, diferencia-se do mundo e passa a ter uma relação com o mundo como algo exterior a si.

A maneira como Kegan falou disso é exclusivamente aplicada à identidade da pessoa. Mas eu gosto deste conceito de diferenciação e integração, e acho que se aplica muito bem também a outras coisas: por exemplo, à maneira como a ciência evolui, e à maneira como cada um de nós vai conhecendo o mundo. A ciência não é mais do que ir diferenciando conceitos: ir encontrando os elementos que estão na base dos fenómenos.

Um conceito tem em si vários outros conceitos que o constituem, e o processo de conhecimento da vida trata-se de compreender que conceitos estão implícitos em conceitos mais globais (diferenciação e integração). Assim, num primeiro momento, por exemplo, os filósofos antigos estudaram a natureza, e diferenciaram-na nos quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Depois, os cientistas foram diferenciando esses elementos: foram encontrando diferentes tipos de energia, por exemplo: química, mecânica, sonora, etc. E assim o processo de crescimento e de conhecimento da vida e de nós próprios, vai-se dando através do processo de tomar consciência de quais são todos os elementos que existem dentro de outros elementos mais gerais (diferenciação), e de compreender a relação que há entre esses elementos (integração).

Isto acontece-me muito também na minha relação pessoal com a vida, à medida que vou aprendendo sobre ela. Vou aprendendo a distinguir coisas que antes metia no mesmo saco (diferenciação). Por exemplo: humildade não implica submissão; são elementos separados, que antes me pareciam estar juntos. Uma pessoa humilde não é uma pessoa que não tenha vontade própria ou que permita que outros mandem em si, mas à primeira vista poder-se-ía fazer essa confusão. E como neste exemplo, passo a vida a encontrar conceitos diferentes que englobava no mesmo, incorrectamente.

No fundo, a vida aparece-nos como uma "sopa" de elementos que vamos diferenciando e integrando. E quando não somos bem-sucedidos na distinção desses elementos e na compreensão da sua correcta relação, estamos a confundir as coisas, a ter visões erradas da vida. Cada pessoa tem a sua estrutura específica de visões erradas, que tem implicações nas suas acções e em toda a sua vida. E só há uma estrutura correcta: aquela que corresponde à realidade, que é boa e que por isso leva à felicidade completa.

Um dos temas aos quais isto se aplica, é a religião. Eu sou um cristão fervoroso, mas ao mesmo tempo magoado com a confusão que vai nas visões de cristianismo de tantos cristãos. Acho que há muitos conceitos indiferenciados e misturados nessas visões erradas, e que impedem a expansão e vivência feliz do cristianismo. Porque o cristianismo, quando não é transmitido correctamente, é como uma semente estéril que não dá frutos. Quando é transmitido como é e como foi fundado por Jesus Cristo, aí é como fogo que se espalha em erva seca, porque é bom, muito bom. Eu também ainda não atingi essa visão correcta, mas já atingi uma visão que é suficiente para saber que essa visão correcta existe, e que é a felicidade máxima que um homem pode sentir. Uma visão libertadora, realizante, explosiva.

Por isso, para mim, a grande prioridade deveria ser promover a diferenciação e a integração correcta de todos os conceitos envolvidos no cristianismo: organizar as visões confusas e divididas, e aproximá-las da visão de Cristo, que era a coisa mais bonita que alguma vez roçou e roçará a face da Terra.