1 de junho de 2008

Boa realidade

Robert Kegan é um autor que explicou o desenvolvimento humano como dando-se através de dois mecanismos principais, que se mantêm os mesmos ao longo de toda a vida: a diferenciação e a integração. Assim, à medida que a pessoa vai evoluíndo, vai tomando consciência de que a sua identidade não é uma determinada coisa, e esse tomar de consciência é a diferenciação; posteriormente integra essa coisa que antes achava que era seu, e relaciona-se com ela como sendo um objecto externo a si. Por exemplo, a primeira coisa da qual o recém-nascido se diferencia é o mundo: o bébé, primeiro, pensa que é o mundo, e que o mundo é o seu "eu"; depois, diferencia-se do mundo e passa a ter uma relação com o mundo como algo exterior a si.

A maneira como Kegan falou disso é exclusivamente aplicada à identidade da pessoa. Mas eu gosto deste conceito de diferenciação e integração, e acho que se aplica muito bem também a outras coisas: por exemplo, à maneira como a ciência evolui, e à maneira como cada um de nós vai conhecendo o mundo. A ciência não é mais do que ir diferenciando conceitos: ir encontrando os elementos que estão na base dos fenómenos.

Um conceito tem em si vários outros conceitos que o constituem, e o processo de conhecimento da vida trata-se de compreender que conceitos estão implícitos em conceitos mais globais (diferenciação e integração). Assim, num primeiro momento, por exemplo, os filósofos antigos estudaram a natureza, e diferenciaram-na nos quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Depois, os cientistas foram diferenciando esses elementos: foram encontrando diferentes tipos de energia, por exemplo: química, mecânica, sonora, etc. E assim o processo de crescimento e de conhecimento da vida e de nós próprios, vai-se dando através do processo de tomar consciência de quais são todos os elementos que existem dentro de outros elementos mais gerais (diferenciação), e de compreender a relação que há entre esses elementos (integração).

Isto acontece-me muito também na minha relação pessoal com a vida, à medida que vou aprendendo sobre ela. Vou aprendendo a distinguir coisas que antes metia no mesmo saco (diferenciação). Por exemplo: humildade não implica submissão; são elementos separados, que antes me pareciam estar juntos. Uma pessoa humilde não é uma pessoa que não tenha vontade própria ou que permita que outros mandem em si, mas à primeira vista poder-se-ía fazer essa confusão. E como neste exemplo, passo a vida a encontrar conceitos diferentes que englobava no mesmo, incorrectamente.

No fundo, a vida aparece-nos como uma "sopa" de elementos que vamos diferenciando e integrando. E quando não somos bem-sucedidos na distinção desses elementos e na compreensão da sua correcta relação, estamos a confundir as coisas, a ter visões erradas da vida. Cada pessoa tem a sua estrutura específica de visões erradas, que tem implicações nas suas acções e em toda a sua vida. E só há uma estrutura correcta: aquela que corresponde à realidade, que é boa e que por isso leva à felicidade completa.

Um dos temas aos quais isto se aplica, é a religião. Eu sou um cristão fervoroso, mas ao mesmo tempo magoado com a confusão que vai nas visões de cristianismo de tantos cristãos. Acho que há muitos conceitos indiferenciados e misturados nessas visões erradas, e que impedem a expansão e vivência feliz do cristianismo. Porque o cristianismo, quando não é transmitido correctamente, é como uma semente estéril que não dá frutos. Quando é transmitido como é e como foi fundado por Jesus Cristo, aí é como fogo que se espalha em erva seca, porque é bom, muito bom. Eu também ainda não atingi essa visão correcta, mas já atingi uma visão que é suficiente para saber que essa visão correcta existe, e que é a felicidade máxima que um homem pode sentir. Uma visão libertadora, realizante, explosiva.

Por isso, para mim, a grande prioridade deveria ser promover a diferenciação e a integração correcta de todos os conceitos envolvidos no cristianismo: organizar as visões confusas e divididas, e aproximá-las da visão de Cristo, que era a coisa mais bonita que alguma vez roçou e roçará a face da Terra.

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