Acabei de ver o filme "Hotel Ruanda", na RTP1, que ainda não tinha visto. Já muitas vezes pensei que há neste mundo dois mundos diferentes, e o nosso não tem nada a ver com o outro, como todos sabemos. A violência, doença, fome, insegurança, etc., que se vive em África e no 3º mundo em geral faz com que esses mundos sejam mais parecidos com o inferno, e, o que é mais incrível, é que as suas causas têm a ver só e mais nada com o comportamento humano. Não se trata de catástrofes naturais, mas de consequências das más opções dos homens.
Ao ver o filme, tava a pensar: que sentido tem alguém viver a sua vida pacatamente neste nosso mundinho, sabendo que se estão a passar estas coisas? Não seria o nosso dever, antes de nos permitirmos viver as nossas vidas pacatamente, descermos ao inferno, dar as nossas vidas junto com as vidas das vítimas de lá, lutar para que os outros tenham condições de vida minimamente humanas, e aí, então, vivermos as nossas vidas cá pacatamente?
Isso faria muito sentido. Mas ao ver o filme fiz também uma descoberta muito importante: é que não é só descendo a esses infernos que podemos ajudar as vítimas. Não se pode separar os lugares e tempos em que estas crises horríveis acontecem, dos lugares e tempos em que não acontecem. Ou seja: estas coisas acontecem em consequência do facto de as pessoas não saberem viver como deve ser, quando ainda não estão em crise.
Acontecem porque os tempos de "não-crise" não foram bem estruturados de maneira a que estas crises não pudessem acontecer. A paz não foi suficientemente interiorizada pelas pessoas, a sua satisfação afectiva não está positiva, o respeito pelos direitos humanos, pela vida humana, a humildade, as relações interpessoais construtivas e positivas, etc., etc., etc., não foram bem aprendidos pelas pessoas, e é tudo isso que faz com que haja o risco de acontecerem estas crises.
Enquanto numa sociedade não houver estes valores e esta harmonia bem enraízados, essa sociedade corre sempre o risco de caír na tentação do genocídio. Enquanto não tivermos carinho pelos nossos vizinhos, pelos nossos compatriotas, pelos humanos em geral, enquanto não tivermos o amor e o prazer incluídos nos nossos estilos de vida em comunidade, então também a nossa sociedade pode um dia acabar numa guerra civil, na perda de toda a humanidade e de todos os valores. É um risco que também nós aqui, em Portugal, e na Europa, estamos neste momento a correr, porque ainda não soubemos construír sociedades suficientemente sólidas na "não-crise".
Por isso, nós, que vivemos em tempos e lugares de "não-crise", podemos ajudar muito o mundo, lutando e não descansando enquanto as vidas de todos não estiverem tão bem vividas, que seja impossível os homens chegarem a estes extremos durante as crises. E esta luta está ao alcance de qualquer um, não é preciso fazer parte dos governos, ser rico, ou ir para África para fazê-lo.
Acho engraçado e importante: podemos ajudar muito as pessoas que vivem em sítios longínquos, violentos e pobres, aprendendo nós a viver a vida como ela deve realmente ser vivida. E isso parece-me ao mesmo tempo uma boa homenagem em respeito por todas as vítimas.
8 de fevereiro de 2008
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